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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Não Dá Pra Não Pecar? (Rm. 7)


É possível viver uma vida sem pecado? Dá pra não pecar? Podemos vencer as nossas fraquezas? Mais vencer que não vencer e até vencer definitivamente algumas delas? O capítulo 7 da carta de Paulo aos Romanos traz a tensão que sofremos entre o viver na carne e o viver no Espírito. E Paulo o faz, a princípio, nos permitindo entender que não dá pra viver só no Espírito. Será?

Paulo introduz a questão utilizando a metáfora do casamento. Ele usa o casamento para falar sobre a nossa liberdade em relação à lei, e o faz se referindo à morte do cônjuge. Só há aliança enquanto há vida e depois da morte há liberdade (7.1-6). Estamos livres da “caducidade da letra”, que é a lei (7.6) e assim podemos nos dedicar livremente ao Senhor em santidade porque já morremos para a lei (7.4).

Paulo segue com a questão da lei e da graça. Primeiro ele deixa claro que a lei é boa, mesmo tendo ela mostrado o pecado (7.7-12). A lei é boa mesmo que tenha causado a morte (7.13-14).

Até aqui não há problemática alguma. Está clara a tensão entre lei e graça. A situação se agrava no nosso entendimento a partir do verso 15 até o versículo 24.

A maioria dos comentaristas prefere ficar com uma interpretação aparentemente mais simples. Parece mais confortável e justificável entender que há uma tensão gravíssima entre a carne e o espírito, semelhante aquela de Gálatas 5.16-26. Mas, mesmo ali quando Paulo discorre sobre as obras da carne e o fruto do Espírito ele não cogita a possibilidade de vida na carne porque seria contraditório com o Espírito. Paulo só vê a possibilidade de viver no Espírito. Ele chega a afirmar categoricamente que aqueles que são de Cristo já crucificaram as suas paixões (Gl. 5.24).

Mesmo antes do capítulo 7 ele fala de nossa liberdade sobre o pecado: “De modo nenhum. Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (6.2). É assim que nos devemos “considerar” (6.11). Essa palavra originalmente significa “calcular”.  Quem morreu para o mundo conscientemente se prepara daquilo de que abrirá mão e das mudanças que precisa assimilar. “Considerai-vos mortos para o pecado”. Essa mudança de vida acontece porque morremos para o pecado e essa morte é a morte do velho homem e a destruição do corpo do pecado (6.6). É uma obra acabada. O velho homem é diferente da natureza pecaminosa. A natureza pecaminosa permanece no crente enquanto o velho homem, esse corpo do pecado, foi “destruído” na Cruz. O termo grego para “destruído” é “katargueté” que está num tempo verbal da voz passiva cujo sentido é de que a obra foi feita completa por Ele, e nós somos tão somente os beneficiários. 

Para Karl Barth o grande tema de Romanos capítulo 7 é a religiosidade. Há uma tensão entre o homem religioso e a espiritualidade. Ele percorre seu comentário sobre o capítulo 7 pelo olhar do homem que em sua religiosidade não consegue viver no Espírito. Somente no final do capítulo quando comenta o verso 24 é que ele admite que Paulo diz respeito a realidade toda do homem antes e depois de Cristo. 

Carson vai um pouco mais além e afirma que especialmente a partir do verso 15 haveria toda contradição com o já dito e o que Paulo ainda diria nos capítulo 8. Para Carson é inconcebível um crente cheio do Espírito não deixar de fazer o que odeia e não conseguir fazer o melhor. Para ele entender o capítulo 7 como uma experiência pessoal de Paulo, uma autobiografia, é contrariar a vida no Espírito e a possibilidade de oferecer os nossos corpos como instrumento de justiça como defendido no capítulo 6.

A tensão entre a lei e graça é o olhar óbvio e coerente com o início do capítulo que fala sobre o casamento e a morte como ilustração do morrer para a lei. E para tanto Paulo se coloca como um judeu que representa todo o povo de Israel em oposição com a vida no Espírito – outra dimensão espiritual em Cristo.

Ou seja, quem está debaixo da lei só pode dizer: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?” (7.24). E quem já se livrou do corpo dessa morte pode então dizer: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor.” (7.25ª)

Mas, como entender o restante do verso 25? “De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado.”

Se pararmos aí temos problema, mas se continuamos, e o texto continua, podemos descansar: “Porque a lei do Espírito da vida em Cristo te livrou da lei do pecado e da morte”. (8.2)

Agora então podemos melhor compreender que Paulo se coloca como representante de um povo e como tal deixa claro “De maneira que eu, de mim mesmo...” (7.25b) em sua própria raça continua aprisionado.

Mas, como “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (8.1), abre-se a liberdade em Cristo para uma nova vida. Isso lembra os heterônimos tão usados na Literatura por Fernando Pessoa. Ele criava personagens que traduziam sua própria história, mas com outros nomes e outras realidades.

E para mostrar que em Cristo tudo é diferente Paulo volta a falar da inclinação da carne e do Espírito (8.3-8). E confronta se realmente o Espírito habita em nós (8.9) porque quem tem o Espírito o corpo da carnalidade está morto (8.10-11).

“Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. (8.14). É assim que devemos viver e vivemos porque recebemos a adoção de filhos (8.15) e somos, graciosamente, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (8.17).

A nova vida em Cristo é vivida na perspectiva futura (8.18-30).  Mesmo os sofrimentos devem ser entendidos pelo olhar do por vir (8.18). Até mesmo a criação em sua limitação e o próprio corpo devem ser submetidos a esse olhar (8.19-23). Sem, no entanto, perder de vistas a imitação de Cristo como o nosso modelo (8.29). Aliás, vivemos em Cristo para esse fim.

O final do capítulo 8 é uma conclusão geral. Paulo faz perguntas que reportam a tudo que vimos até aqui: “Que diremos, pois, à vista destas cousas? Se Deus é por nós quem será contra nós?” (8.31) “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?” (8.33) “Quem os condenará?” (8.34) “Quem nos separará do amor de Cristo?” (8.35)

(Obs.: esse artigo foi baseado no Comentário de Karl Barth especialmente).

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